sábado, 7 de agosto de 2010

espelho.

_ Pare, não olhe para mim.
_ Já me arrependi de coisas que fiz, mas não me arrependerei de quem eu sou.


Quando criança olhava pela janela, via outras vidas. Tudo parecia muito mais agradável. Algo em seu coração dizia que sua vida estava errada, que outras crianças tinham o que ela não tinha e que isso fazia falta, mesmo ela não sabendo o que era.
Passou a infância toda não sendo criança o suficiente. Se ficasse sozinha, chorava. Corria para o velho caderno que aprisionava as preciosas palavras que nem mesmo ela sabia o que significavam.
Foi se formando uma pessoa, na sombra da imagem de menina boa. Apenas a imagem. Por trás dos cachos levemente dourados, das bochechas redondas e rosadas havia uma menina bem mais sombria. Aquele sorriso permanente que ela carregava era um cadeado das lágrimas. Se não sorrisse chorava, se chorasse era fraca.
Tinha pavor da fraqueza, queria ser forte e inabalável. Mas tinha plena certeza que era tudo o que ela não era.
Deixou pessoas erradas entrarem em sua vida, desnecessárias. Pessoas que só fizeram do fraco, mais frágil ainda.
Frágil parecia ainda mais detestável que fraco. Ela odiava, se odiava! Olhava no espelho e queria chorar, mas se ver naquela situação era proibido em seu próprio mundinho.
Não chorou mais. Por mais que a vontade a sufocasse, que os olhos ressecassem e que a garganta ardesse. Não chorava.
Assumiu um papel e gostou de representá-lo. Era o que ela queria ser. Insensível, grossa e durona. Sentir era proibido em seu próprio mundinho.
Cansada disso tudo, ela se deixou viver o que a ofereceram. Se entregou, e não recebeu nada. Fez da fantasia apenas uma fumaça, fez do interior frágil um poço de tristeza.
Se afogou. Era tanto sentimento engavetado sendo liberado que não havia tempo para respirar. Se afastou da vida, dos sorrisos, dos amigos. Parou de comer, não conseguia dormir.
Morrer era a sua alternativa plausível. Em sua cabeça, era uma solução. Respirar era encômodo, a irritava profundamente.
E então, no auge de seu suicídio inconsciente, alguém a interrompeu. Emprestou um pouco de ar puro, a abraçou. Parecia suficiente.
Pela primeira vez ela não julgou os prós e os contras. Pela primeira vez ela não se torturou tentando eliminar seus sentimentos. Pela primeira vez ela deixou a espontâneadade, que sempre fez parte dela, dirigir suas ações.
Não se arrependeu e não se arrepende. Pela primeira vez não se arrepende.
Aprendeu a ser espelho de quem ela é. Fez do seu exterior reflexo do interior.
Passou tanto tempo brigando consigo mesma, se proibindo, se limitando e se torturando que perdeu muita vida.
Mas quando finalmente ela se deixa ser feliz, outros a tentam impedir. Pois os problemas nunca acabam, nunca vão acabar. Por mais feliz que ela esteja, algo vai estar errado. Ela sempre vai sentir falta daquela coisa que nem mesmo ela sabe o que é. Por mais completa que ela se sinta, vai faltar um pedacinho.
O pedacinho que faria toda a diferença.

_ Pare, não olhe para mim._ disse o passado.
_ Já me arrependi de coisas que fiz_ ela disse em voz alta_ mas não me arrependerei de quem eu sou.
Virou de costas para o espelho e sorriu, certa de quem ela era.

8 comentários:

  1. adorei :P
    me segue? @oimelinda
    beijos

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  2. Owwn, que perfeito *-*

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  3. Não pare de olhar para mim!
    Não me arrependo do que fiz porque isto me trouxe aqui, longe de seu olhar!

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  4. Owwnn!! *-* Fiquei feliz
    "..., alguém a interrompeu. Emprestou um pouco de ar puro, a abraçou. ..."

    Maas.. Pois é.. a vida é sempre cruel em alguns aspectos. Os problemas sempre estarão por perto. Mas acontece que o que é real, predomina.

    Por mais que a pedra incomode dentro do seu sapato, vc não está descalça. (acabei de inventar esse provérbio xD ).

    Não vou te deixar descalça. ♥

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  5. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  6. Eu adorei *o* , muito bem escrito e diz muito da verdade...

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  7. -

    gostei muito *-* e diz tudo que eu já senti

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